Guerra em Gaza: o crescente número de israelenses que quer o fim do conflito

Guerra em Gaza: o crescente número de israelenses que quer o fim do conflito

15/06/2025 0 Por Clic


Parentes e apoiadores dos reféns israelenses mantidos em Gaza protestaram em Tel Aviv em maio de 2025

Crédito, AFP

Legenda da foto, Parentes e apoiadores dos reféns israelenses mantidos em Gaza protestaram em Tel Aviv no mês passado

  • Author, Lucy Williamson
  • Role, Correspondente no Oriente Médio

Nos 20 meses que se passaram desde o início da guerra em Gaza, Amit Halevy foi alvo de cuspes, gritos, pedras e ovos nas ruas de Israel, tudo porque estava pedindo paz.

“Ficávamos sentadas em silêncio, apenas um grupo de mulheres vestidas de branco, segurando cartazes em hebraico, árabe e inglês com os dizeres: ‘compaixão’, ‘paz’, ‘segurança nutricional'”, diz ela à reportagem.

“Pensamos: quem discute com a paz? Mas essas manifestações recebiam o mesmo ódio de quando pedíamos para Encerrar a Ocupação ou Libertar Gaza”, conta ela.

“Um cara gritou com a gente durante um protesto sentado pela paz em Tel Aviv, dizendo que desejava que todas nós fôssemos estupradas em Gaza, enquanto estávamos sentadas em silêncio segurando cartazes dizendo ‘amor’.”

Conheci Amit nos primeiros meses da guerra. Neta de sobreviventes do Holocausto, ela me contou como as discussões familiares sobre o que estava acontecendo em Gaza a deixavam irritada e frustrada.

Ela está convencida de que as ações de Israel equivalem a um processo de “nazificação”. Agora, diz, algo está mudando na família dela.

“No caso do meu pai, posso dizer coisas que ele não conseguia ouvir antes, e ele entende”, ela explica. “Ele diz: ‘Mas e o Hamas?’ E eu digo: ‘Pai, se 80 crianças foram mortas ontem à noite, não importa — como ser humano, e especificamente como judeu, você deve dizer que isso tem que parar agora mesmo’. E ele entende.”

Fumaça e escombros após um ataque israelense a oeste de Jabalia, em Gaza, em 1º de junho de 2025

Crédito, AFP

Legenda da foto, A preocupação com o sofrimento em Gaza está crescendo, mas a maioria dos israelenses ainda acha que isso deve ter pouco ou nenhum impacto nas decisões do governo

O número de pessoas em Israel preocupadas com o sofrimento dos habitantes de Gaza tem aumentado lentamente, mas Amit e seus amigos ainda fazem parte de uma pequena minoria.

O Instituto de Democracia de Israel (IDI) perguntou aos israelenses no mês passado se o sofrimento de civis de Gaza deveria ser um fator nas decisões do governo sobre a guerra.

A maioria — 67% — disse que Israel deveria ignorar ou considerar apenas em uma “medida bem pequena”. Entre os israelenses judeus, este percentual subiu para mais de três quartos.

Muitos israelenses, desiludidos depois de mais de um ano e meio de combates, agora querem o fim da guerra — na maioria dos casos, isso não se deve principalmente ao sofrimento em Gaza, mas à preocupação com os 54 reféns israelenses que, acredita-se, permanecem em cativeiro com o Hamas (os números podem variar), dos quais supostamente 31 estão mortos.

‘Muro da negação’

Desde então, pelo menos 54.607 palestinos foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de um quarto deles são crianças.

Depois que Israel rompeu o último cessar-fogo em março, algumas das colegas ativistas de Amit começaram a segurar cartazes de crianças mortas e feridas em Gaza durante suas manifestações silenciosas.

“Achávamos que receberíamos muitas reações agressivas e furiosas”, conta uma das organizadoras, Alma Beck.

“Mas ficamos surpresas quando as pessoas nos perguntaram quem são essas crianças, e o que aconteceu com elas — genuinamente curiosas e preocupadas.”

Ela acredita que muitos israelenses não são expostos às histórias humanas de sofrimento em Gaza.

“O governo e a imprensa fazem de tudo para blindar os israelenses do que está acontecendo em Gaza. Há um muro de negação que é muito, muito forte”, diz ela.

“Acho que esse foi o primeiro exemplo de humanização dos números [de vítimas] — dar a elas um rosto, uma história. E é difícil desviar o olhar”.

O medo e a raiva que galvanizaram Israel após os ataques do Hamas, abafando as divisões e impulsionando o apoio à campanha militar, deram lugar à exaustão à medida que o conflito se arrasta.

O apoio ao conflito já estava diminuindo há um ano. Menos de um terço dos israelenses apoiava uma nova ação militar em Rafah, de acordo com o IDI, enquanto quase dois terços apoiavam um acordo com o Hamas.

Mais recentemente, várias pesquisas realizadas neste ano por organizações respeitadas encontraram uma maioria a favor de um acordo de cessar-fogo — com o objetivo principal de libertar os reféns.

Yitzchak Zitter

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, Yitzchak Zitter, um soldado da reserva, agora acredita que não vale mais a pena lutar na guerra

Desilusão crescente

Cartazes dos reféns e slogans como “Stop The War” (“Parem a guerra”) estavam espalhados entre as bandeiras do arco-íris na Marcha do Orgulho LGBTQIA+ de Jerusalém, em junho.

Yitzchak Zitter, que estava lá com o namorado, está atualmente servindo como soldado da reserva no Exército israelense, mas acha que a guerra não vale mais a pena.

“Não acho que estejamos nos aproximando de nenhum dos objetivos declarados da guerra”, diz ele.

“Há um ano, manifestar estas opiniões abertamente era muito impopular, especialmente nas Forças Armadas. Mas hoje, as pessoas estão cansadas desta guerra, nós a odiamos, já deu. E se você trouxer os reféns [à discussão], essa opinião se torna muito mais aceitável.”

A devolução dos reféns mantidos pelo Hamas é, de longe, o principal motivo que os israelenses dão para querer acabar com a guerra.

Nas principais manifestações semanais contra a guerra aqui, os moradores de Gaza quase não aparecem como uma preocupação.

“A empatia pelas pessoas que comemoraram os massacres de 7 de outubro é muito baixa”, diz Yitzchak.

“Eles votaram no Hamas [em 2006] e não fizeram muito para se livrar deles desde então. Se víssemos protestos em massa em Gaza, seria outro papo.”

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, continua insistindo que sua campanha militar em Gaza é fundamental para a libertação dos reféns restantes.

Até o momento, oito reféns vivos foram libertados em operações de resgate pelas forças israelenses, enquanto mais de 140 foram liberados por meio de acordos com o Hamas.

Mayan Eliahu Ifhar segurando cartaz em protesto em Israel

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, ‘Não podemos trazê-los de volta assim… a guerra está matando eles’, diz a manifestante Mayan Eliahu Ifhar, ecoando o crescente temor entre as famílias de reféns

Netanyahu diz que a pressão militar ajudou a levar o Hamas a fazer esses acordos. Mas muitos dos que protestam do lado de fora do seu gabinete em Jerusalém, ou na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, discordam.

“Não podemos trazê-los de volta assim”, diz uma das manifestantes, a psicóloga de desenvolvimento Mayan Eliahu Ifhar. “É um erro terrível. A guerra está matando eles.”

Esse sentimento foi ecoado por muitas famílias de reféns, preocupadas com a possibilidade de seus parentes morrerem em cativeiro à medida que a guerra avança, ou serem mortos em ataques aéreos israelenses.

Há também uma desilusão crescente quanto à possibilidade de alcançar o outro objetivo de guerra de Netanyahu: a destruição total do Hamas como força militar e governamental.

‘Uma guerra política’

Após 20 meses, a exaustão com a guerra chegou às Forças Armadas de Israel.

Esta é a guerra mais longa do país, e alguns reservistas estão em sua terceira ou quarta rotação. Alguns estão agora se recusando a servir — poucos por objeções éticas, mas muitos por causa da pressão sobre sua saúde, finanças e famílias.

Mas os apelos para acabar com a guerra — nas ruas, nos centros de recrutamento militar e até mesmo em seu próprio gabinete de segurança — não abalaram Netanyahu.

Parte do motivo, diz Tamar Hermann, do IDI, é que a grande maioria dos que pedem o fim da guerra são pessoas que dizem que jamais votariam nele.

Benjamin Netanyahu

Crédito, AFP via Getty Images

Legenda da foto, Até o momento, os apelos para acabar com a guerra não comoveram Netanyahu

“A maioria [dos israelenses] vê a guerra como uma guerra política”, ela observa.

“Se você é a favor do governo, então você é a favor do governo, independentemente do que ele esteja fazendo. E se você é contra o governo, você é contra tudo o que ele está fazendo. É preto no branco. E a guerra agravou isso.”

Medo do Hamas se reagrupar

Para saber o que os partidários de Netanyahu pensavam sobre a guerra, fomos até um comício em apoio a ele.

As ruas de Jerusalém que levavam ao Knesset, o Parlamento de Israel, eram um mar de bandeiras israelenses azuis e brancas, e o barulho dos vários alto-falantes instalados ao longo do percurso era ensurdecedor

A multidão — em sua maioria vestida de acordo com as regras religiosas conservadoras — passou por ônibus com janelas reforçadas, que havia acabado de transportar grupos de colonos da Cisjordânia ocupada. Muitos jovens carregavam rifles M16 pendurados nos ombros.

Encontrei Yisrael e sua esposa perto da entrada.

“Não podemos acabar com a guerra [agora]”, diz Yisrael. “Ela vai terminar quando o Hamas for totalmente derrotado, e toda a infraestrutura for totalmente destruída. Se você abandonar [a guerra] agora, eles vão reconstruir tudo, e a situação vai voltar em mais três ou quatro anos.”

Assim como quase todos os israelenses, ele concorda que levar os reféns de volta para casa era muito importante — mas observa que também havia outras considerações.

Yisrael ao lado da esposa

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, Yisrael, fotografado com a esposa, afirma que a guerra ‘vai terminar quando o Hamas for totalmente derrotado’

“É preciso haver algumas condições”, diz ele. “Não se pode salvar algumas pessoas agora e depois haver outra guerra em dois ou três anos, com mais mil mortes. Isso não vai ajudar ninguém.”

Mais adiante na multidão, outro manifestante, Avigdor Bargil, afirma que a guerra deveria terminar apenas “quando o Hamas estiver de joelhos” — e que os habitantes de Gaza deveriam se mudar para outros países, como Indonésia, França e Reino Unido.

“Não é a casa deles, eles a tomaram”, diz ele, quando pergunto por que os habitantes de Gaza deveriam deixar sua casa.

“É nossa terra — a terra que Deus nos deu na Torá.”

Sonhos de anexação

Esta justificativa religiosa para a apropriação de terras palestinas tem sido um tema recorrente dos partidos nacionalistas de direita radical na coalizão de Netanyahu, desde muito antes da guerra.

Membros do gabinete, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, há muito tempo pressionam para que Israel anexe a Cisjordânia ocupada — ou reivindique a “soberania”, como ele diz.

Mas a guerra em Gaza e a posição assumida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, despertaram o sonho de anexar esse território também.

Netanyahu precisa manter sua coalizão unida, ou corre o risco de eleições antecipadas.

E, de acordo com o respeitado instituto de pesquisas americano Pew Research Center, a ideia de expulsar os habitantes de Gaza da sua terra conta com o apoio de uma grande maioria de israelenses — até mesmo seculares.

Alguns eleitores de direita estão começando a se voltar contra a guerra. Mas, por trás das manchetes das pesquisas de opinião, as divisões em relação à guerra ainda recaem, em grande parte, sobre o posicionamento político.

Cerca de metade dos israelenses de direita disseram em um levantamento do IDI na semana passada que a guerra ainda poderia trazer de volta os reféns ou destruir o Hamas; apenas 6% dos israelenses de esquerda tinham a mesma opinião.

Avigdor Bargil

Crédito, Lee Durant/BBC

Legenda da foto, ‘A guerra deve terminar apenas quando o Hamas estiver de joelhos’, diz o manifestante Avigdor Bargil

Depois de um breve momento de união após os ataques do Hamas, antigas divisões políticas ressurgiram aqui, mais profundas do que nunca.

Mayan Eliahu Ifhar, a psicóloga de desenvolvimento do protesto em Tel Aviv, diz que as diferenças em relação à guerra a estão afastando dos amigos, não apenas dos adversários.

“Quando ouço as bombas em Gaza, fico arrasada. Mas há pessoas, até mesmo amigos meus, que ouvem essas bombas e dizem: ‘Tudo bem, eles merecem’. Não posso conviver com elas. Simplesmente não consigo olhar nos olhos delas.”

‘É minha casa, meu país’

Amit Halevy, a manifestante que descreveu o abuso que sofreu em manifestações pela paz, decidiu há vários meses deixar Israel por um tempo, e seguir para os EUA, para ter um respiro do confronto diário com seus compatriotas.

Mas ali também, ela se viu isolada.

Ela me contou que estava em uma manifestação pró-palestinos lá, e que quando ela disse às pessoas que era de Israel, alguns não queriam falar com ela.

“Eu disse que estava do lado deles, e que ia a manifestações a favor dos palestinos em Israel”, relatou Amit.

“Uma garota me fez perguntas idiotas, como ‘seus amigos apoiam o genocídio?’. Eu apoio qualquer ação que vise impedir o que está acontecendo em Gaza, mas vejo como essas manifestações são cheias de ódio, e isso parte meu coração.”

As acusações de antissemitismo mancharam alguns movimentos pró-palestinos na Europa e nos EUA, complicando a situação para israelenses como Amit.

“Acho que ninguém pode odiar Israel tanto quanto eu odeio agora, porque me sinto muito traída — é minha casa, meu país, meu idioma, meu povo, meus amigos.”

“O que Israel está fazendo agora é a pior coisa não só para os palestinos, mas para israelenses e judeus. Será para sempre essa mancha horrível.”



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